
Pesquisadores da Universidade de Tóquio desenvolveram um sistema de automação predial que promete dar mais segurança para os moradores e funcionários dos edifícios e desafiar os modelos centralizados. O sistema permite a interação direta entre dispositivos equipados com inteligência artificial. O novo método, chamado D-LFBA (Distributed Learning for Building Automation), promove uma automação que não apenas preserva a privacidade dos usuários, mas também melhora a eficiência do controle de ambientes internos, como residências, escritórios e edifícios comerciais. O artigo sobre o estudo foi publicado na Science Daily.
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A arquitetura descentralizada do D-LFBA faz uso de inteligência distribuída para dividir a carga computacional entre os próprios componentes do ambiente, como sensores, atuadores e controladores. Cada elemento participa de uma rede que aprende com as ações humanas, mas sem a necessidade de lógica programada previamente. Em vez de seguir comandos específicos, o sistema observa, interpreta e adapta comportamentos com base na experiência contínua e no cruzamento de eventos registrados por carimbos de tempo sincronizados.
Avanço
A inteligência artificial embutida nos dispositivos permite identificar padrões sutis nas rotinas dos ocupantes. Por exemplo, ao observar que uma pessoa costuma acender a luz de determinado cômodo ao anoitecer, o sistema aprende a realizar essa ação de forma proativa, sem que o usuário precise dar um comando. O mesmo vale para ajustes térmicos, cortinas automatizadas ou ativação de ventiladores e aquecedores.
À frente da equipe, o professor associado Hideya Ochiai, do Departamento de Engenharia da Informação e Comunicação da Universidade de Tóquio, disse que o dispositivo representa um avanço. Segundo ele, o sistema D-LFBA rompe com a lógica atual dos formatos automatizados, nos quais sensores e câmeras enviam informações para uma central que processa e armazena os dados antes de tomar decisões.
Os dispositivos passam a trocar dados entre si localmente, operando de maneira autônoma e inteligente, com armazenamento mínimo e temporário. Conforme Ochiai, o modelo convencional de automação doméstica, usado para funções como controle de temperatura ou iluminação, costuma envolver vigilância constante e envio de registros para plataformas centralizadas.
"Essas imagens, padrões de movimento e preferências de uso são dados altamente sensíveis, principalmente quando coletados em ambientes privados. A centralização representa um ponto único de falha. Se um servidor for comprometido, tudo pode ser exposto", alerta o pesquisador. "Nosso sistema evita essa situação desde a origem."
Detalhes
Durante os testes conduzidos em ambientes reais, ao longo de 2024, os resultados foram promissores. Ochiai relata que muitos usuários demonstraram surpresa ao perceber que o sistema conseguia antecipar suas preferências com precisão. "Sem uma linha de código escrita manualmente, conseguimos gerar decisões adaptativas com base apenas em observações. É a IA aprendendo com o contexto", afirma.
Além da questão da privacidade, o D-LFBA oferece uma solução prática para um desafio comum no mercado de automação: a incompatibilidade entre dispositivos de diferentes marcas. Ao adotar uma linguagem universal de comunicação entre componentes, o modelo elimina a necessidade de adotar sistemas fechados de um único fabricante. Isso favorece a interoperabilidade e torna a automação acessível a uma gama maior de consumidores, desde pequenos usuários residenciais até grandes empresas.
Meio ambiente
Os cientistas advertem sobre o baixo impacto ambiental causado pelo sistema. Ao evitar o envio constante de dados para servidores externos e reduzir a necessidade de processamento em nuvem, o sistema consome menos energia e reduz a pegada de carbono digital. Em tempos de crescente demanda por soluções tecnológicas sustentáveis, essa vantagem representa um diferencial estratégico.
Embora ainda esteja em fase de desenvolvimento, o D-LFBA tem potencial para redefinir o modo como os espaços inteligentes funcionam. Ao unir segurança, eficiência, flexibilidade e sustentabilidade, o projeto aponta para um futuro em que privacidade e inovação não são mais conceitos opostos, mas complementares. A equipe de cientistas aprimora a tecnologia e quer aplicá-la em larga escala, inclusive, em cidades inteligentes e instalações públicas. A expectativa é de que, nos próximos anos, soluções descentralizadas como essa tornem-se o novo padrão em automação predial, abrindo caminho para um ecossistema tecnológico cada vez mais viável.
*Estagiária sob supervisão de Renata Giraldi
QUATRO PERGUNTAS PARA...
ROMES HERIBERTO DE ARAÚJO, pesquisador do campo da cibernética e Inteligência artificial e professor do curso de engenharia de software do Centro Universitário UNICEPLAC
Essa pesquisa avança de forma positiva, o que é mais interessante nela?
Sim, essa pesquisa avança de forma bastante positiva, principalmente por tratar diretamente uma das maiores preocupações atuais envolvendo o uso da inteligência artificial: a privacidade dos dados. O modelo proposto, chamado Distributed Logic-Free Building Automation (D-LFBA), destaca-se por descentralizar o processamento da IA, eliminando a dependência de servidores centrais — que geralmente são alvos de ataques e comprometem a segurança. O mais interessante é que o sistema permite aprendizado distribuído entre dispositivos, sem armazenar dados pessoais por longos períodos, o que reduz significativamente os riscos à privacidade. Trata-se de uma abordagem alinhada a tendências como edge computing e federated learning, que buscam eficiência sem abrir mão da segurança.
Para quem já utiliza IA na segurança residencial e de escritórios, quais seus conselhos?
Para quem utiliza inteligência artificial em sistemas de segurança, especialmente em residências, condomínios e escritórios, é essencial ficar atento à arquitetura do sistema. Priorize soluções que, como o D-LFBA, adotem comunicação descentralizada e aprendizado local, pois elas oferecem maior proteção à privacidade. Também é importante exigir transparência dos fornecedores, saiba exatamente como os dados estão sendo coletados, armazenados, utilizados e descartados.
Existem detalhes que têm de ser observados?
É fundamental verificar se há medidas rigorosas de proteção, como criptografia de dados, acesso restrito e auditorias de segurança periódicas. Além disso, a LGPD assegura ao morador o direito de não fornecer dados biométricos, o que significa que o condomínio deve oferecer alternativas seguras para quem optar por não compartilhar essas informações. A consciência e o consentimento informado dos moradores são indispensáveis, e os gestores devem promover fóruns de esclarecimento e estabelecer políticas claras sobre o uso e o descarte desses dados. Segurança digital começa com escolhas conscientes e respeito à privacidade individual.
De fato, o caminho para garantir a segurança e a proteção com a preservação de dados é o apontado por esse estudo?
De forma bastante coerente, sim. O caminho indicado pelo estudo está alinhado com as boas práticas internacionais de proteção de dados e segurança digital. Ao evitar a centralização e o acúmulo de informações em servidores únicos, a tecnologia reduz a superfície de ataque e protege os usuários de violações em larga escala. Além disso, o sistema respeita princípios legais fundamentais, como o da minimização de dados, previsto em legislações como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) no Brasil e o GDPR na Europa. Ou seja, ele coleta apenas o necessário e evita a retenção indevida de dados pessoais — algo essencial para garantir a confiança do usuário em ambientes automatizados.