ARTIGO

Plástico na veia

Na última rodada de negociações globais para um tratado sobre a redução da produção e do uso de plástico, jogam contra os mesmos que travam a pauta das mudanças climáticas: a indústria petroleira

.Já existem pistas de que as partículas plásticas provoquem uma variedade de condições médicas -  (crédito: Marie/Getty Images)
.Já existem pistas de que as partículas plásticas provoquem uma variedade de condições médicas - (crédito: Marie/Getty Images)

A ciência não é infalível — e é por isso mesmo que devemos confiar nela. Para confirmar uma hipótese, é preciso testá-la várias vezes, reproduzir os resultados, submetê-los à avaliação de colegas. Na ciência, é preciso ver para crer. 

Desde a década de 1980, cientistas climáticos alertam que a queima excessiva de combustível fóssil está associada a mudanças nos padrões de temperatura e precipitação. Esse material — depósito orgânico milenar, ou a "sobra" de dinossauros e de outros seres vivos que habitaram a Terra — é usado na forma de carvão, petróleo e gás natural. Com a intensificação da atividade industrial e o crescimento da frota automobilística, houve um acúmulo dos gases que se formam na queima dos produtos. Eles ficam presos na atmosfera, criando uma capa retentora de calor.

A hipótese foi testada e comprovada. Aliás, é um experimento relativamente simples de fazer: dois copos, papel alumínio, plástico filme, uma lâmpada e um termômetro simulam com eficácia o efeito estufa. Porém, 40 décadas de pesquisas científicas — mais elaboradas do que essa — ainda não conseguiram convencer quem tem poder de decisão de que a Terra não aguenta mais a queima de combustíveis fósseis.

Da mesma forma, porém mais recentemente, diversos estudos demonstram que a poluição por plásticos — produto cuja base é o petróleo e o gás natural — está destruindo não só o planeta, mas a saúde humana. Assim como o aquecimento global tem associação com número maior de mortes (não só por calor diretamente, mas por doenças cardiovasculares, pulmonares e infecciosas, entre outras), os resíduos desses polímeros têm potencial de causar de infertilidade a distúrbios neurológicos.

Na segunda-feira, a revista The Lancet publicou um artigo resumindo as evidências científicas obtidas até agora por pesquisas com micro e nanoplásticos — partículas extremamente finas resultantes da produção do polímero artificial. Recentemente, com o aprimoramento dos exames de imagem, cientistas conseguiram identificá-las em órgãos como cérebro e pulmões, no sangue, no esperma e até na placenta humana. 

Os estudos sobre as consequências da presença de substâncias químicas oriundas do petróleo e do gás natural no organismo humano ainda são precoces para estabelecer relações de causa e efeito. Porém, já existem pistas de que as partículas plásticas provoquem uma variedade de condições médicas: de infertilidade a doenças neurodegenerativas.

O alerta foi publicado na The Lancet na véspera da última rodada de negociações globais para um tratado sobre a redução da produção e do uso de plástico, que reúne mais de 180 membros da Organização das Nações Unidas (ONU) em Genebra, na Suíça. A tentativa anterior, na Coreia do Sul, terminou sem avanços. A atual, prevista para acabar em 14 de agosto, mal começou e já está emperrada. Jogam contra os mesmos que travam a pauta das mudanças climáticas: a indústria petroleira. 

Com a ascensão de grupos de extrema-direita, emergiu também um discurso anticiência do qual os "donos do mundo" se valem para que a população acredite que assuntos como a destruição da Terra e da humanidade são teoria conspiratória. Assim, continuam a emporcalhar, sem resistência, nosso único habitat e, agora sabemos, os nossos próprios corpos.

 

postado em 08/08/2025 06:00
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