Visão do Correio

Primeira infância: para articular, tem que incluir

A Política Nacional Integrada para a Primeira Infância é percebida como um novo paradigma no cuidado com as crianças. Não faltam evidências, porém, de que o país deixa a desejar no cuidado com os seus 18 milhões de brasileirinhos

Apenas 39,8% das crianças de 0 a 3 anos estavam matriculadas em creches no Brasil, em 2024  -  (crédito: Barbara Cabral/Esp. CB/D.A Press)
Apenas 39,8% das crianças de 0 a 3 anos estavam matriculadas em creches no Brasil, em 2024 - (crédito: Barbara Cabral/Esp. CB/D.A Press)

Instituída nesta terça-feira pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Política Nacional Integrada para a Primeira Infância (PNIPI) é percebida por especialistas como um novo paradigma no cuidado com as crianças. Em movimento inédito, o governo brasileiro se compromete a integrar, de forma coordenada e intersetorial, as políticas públicas voltadas à primeira infância, do nascimento aos 6 anos de vida. O período é comprovadamente crucial no desenvolvimento humano, quando se estabelecem as bases física, cognitiva e emocional de um indivíduo. Ainda assim, não faltam evidências de que o país deixa a desejar no cuidado com os seus 18 milhões de brasileirinhos. A estratégica PNIPI, portanto, entra em cena não imune a desconfianças e contrariedades.

Em termos práticos, com o novo direcionamento, os canais entre os mais diversos dispositivos públicos terão que estar ligados. As creches vão saber quais os alunos foram vacinados. Equipes de saúde conseguirão identificar se a criança também recebe suporte da assistência social, que, por sua vez, terá acesso mais rápido a registros de negligência ou violência. Um banco de dados unificado, a ser construído, permitirá essa articulação. Chegar a esses equipamentos públicos, portanto, é essencial para fazer a roda da PNIPI girar.

Os acessos nem sempre são simples. Apenas 39,8% das crianças de 0 a 3 anos estavam matriculadas em creches no Brasil, em 2024 — abaixo da meta de 50% estipulada no Plano Nacional da Educação (PNE). A falta de pediatras é problema crônico no serviço de saúde público de boa parte das unidades da Federação, assim como as filas de espera por atendimento nos Centros de Referência de Assistência Social (Cras). 

 Também é essencial um direcionamento eficaz para a informação recebida. O que fará a escola diante da constatação de uma carteira de vacinação desatualizada? Ou quando se perceber que a infecção persistente é devido à falta de saneamento básico? 35% das crianças até 6 anos vivem em locais sem rede  de esgoto no país; e apenas 32% dos municípios conseguiram cumprir em 2023 a meta de cobertura para quatro vacinas consideradas prioritárias: pentavalente, poliomielite, pneumo-10 e tríplice viral — todas administradas na primeira infância. 

 Há protocolos de conduta definidos com relação a maus-tratos, por exemplo. Mas a proposta de integralidade no cuidado demandará novos roteiros, incluindo articulação com o Legislativo e o Judiciário, além das instâncias estaduais e municipais. Em artigo publicado neste Correio, Mariana Luz, CEO da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, e Priscila Cruz, presidente-executiva do Todos Pela Educação, avaliam que a PNIPI demandará um nível de integração equiparada ao do SUS, mas "com a diferença fundamental" de articular cinco eixos estruturantes: viver com direitos, educação, saúde e dignidade, além de comunicação com família e responsáveis. 

Por isso, a necessidade de que a oficialização da PNIPI "esteja acompanhada de um plano de ação guiado por medidas estratégicas, com objetivos claros, metas, indicadores de acompanhamento e responsabilidades bem definidas entre os ministérios". Caberá ao Ministério da Educação (MEC) a coordenação da política, que precisa ser uma prioridade de Estado. O passo pioneiro rumo ao pleno desenvolvimento da infância brasileira só faz sentido e terá valor se  for dado com qualidade e houver continuidade.

 

Por Opinião
postado em 07/08/2025 06:00
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