ARTIGO

A celebração de um sonho ainda pendente: os 19 anos da Lei Maria da Penha

A realidade nos informa das negativas categorizadas ao feminino: desqualifica, emudece, exclui, nega a historicidade, nega a dignidade e a essencialidade do ser. Não há classe social ou condição que impeça essa ocorrência

opiniao 0708 -  (crédito: Caio Gomez)
opiniao 0708 - (crédito: Caio Gomez)

Maria Elizabeth Rochaministra-presidente do Superior Tribunal Militar (STM)Amini Haddadjuíza auxiliar da Presidência do STM 

Agosto de 2025. A Justiça Militar da União se insere na Campanha pela Paz em Casa, do Conselho Nacional de Justiça, no sentido de viabilizar "ações multidisciplinares de combate à violência contra as mulheres" (art. 5º, da Resolução nº 254/2018, CNJ). Serão realizadas diversas ações, em conjunto com as Forças Armadas e a Escola Superior de Defesa. O Sistema de Justiça Castrense, pelos seus dedicados magistrados e magistradas, está disposto a contribuir e a se empenhar. De forma inovadora, a Justiça mais antiga do país fez instalar, por ato da Presidência, o Comitê Pró-Equidade e de Políticas Antidiscriminatórias e o Observatório Pró-Equidade da Justiça Militar da União, ambos destinados à consagração de uma gestão democrático-participativa, com a responsabilidade de proposição de medidas eficazes e concretas. 

Renovamos, assim, os nossos compromissos no mês comemorativo da Lei 11.340/06. O momento é ímpar para todas as pessoas que prezam pela justiça como valor intrínseco em uma sociedade. 

Mas a história tem mostrado o quão difícil é vencer a discriminação e o preconceito, culturalmente alicerçados nas mentes. Lutamos, desde os mais remotos indicativos da existência humana, buscando concretizar a igualdade de oportunidades, livre de todas as expressões ilegítimas que promoveram a exclusão de grande parte de um coletivo inserido na expressão "humanidade".

A realidade desumanizante das mulheres é uma delas. Uma realidade que nos informa das negativas categorizadas ao feminino: desqualifica, emudece, exclui, nega a historicidade, nega a dignidade e a essencialidade do ser. Não há classe social ou condição que impeça essa ocorrência. 

Dados sociais são externados em pontos variados, em todos os continentes, próximos ou longínquos. Uma silenciosa narrativa impinge uma desigualdade patente: a violência de gênero contra mulheres e meninas.

São milhares de facadas, milhares de tiros, socos incontáveis, palavras aviltantes e as mais diversas formas de apropriação e retóricas que escravizam diariamente. 

Onde estamos?

No vazio que intimida. Na vergonha desqualificadora de um processo que sequer se faz hábil à identificação das vulnerabilidades. No salário desigual. Na inviabilidade de uma promoção mesmo trabalhando o dobro, o triplo. E se nega até mesmo a qualificação que lhe custou noites e noites em claro quando de uma tentativa de ascensão profissional. 

Negam-lhe a existência, a história.

Retiram-lhe do mapa até na esfera pública. Mesmo ao serem aprovadas em concursos públicos de provas e títulos, dificilmente alcançam os cargos mais significativos.

Nas estruturas de poder, vê-se o quão difícil é a composição destas por figuras femininas. Os estereótipos limitadores enclausuram o feminino em ambiências que deveriam ser compartilhadas: os cuidados dos filhos, os cuidados domésticos, a educação da prole e as responsabilidades familiares. 

Diante de tais estereótipos, imposições e exigências, restam a cada uma muito pouco de si.

Não bastassem esses fardos, assistimos diariamente ao assassinato de mulheres, ou a tentativa deste, em seus próprios lares. No ambiente que deveria ser de sadio convívio familiar, lugar de descanso, respeito e de segurança ao findar e iniciar cada novo dia. Os dados mostram aspectos cruéis no trato do feminino: estupros, exploração sexual, tráfico internacional de meninas e mulheres, coações, assédios, violações da intimidade, do corpo, da alma…. discriminações diversas.

O avanço legislativo e de implementação de políticas de Estado, efetivadas pelos Poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário) acrescem sentido aos passos dados até aqui, apesar dessas medidas públicas não serem suficientes.

Mas, nesta celebração, há esperança. E ela nos mantém erguidas, conscientes de nós mesmas. E vem à mente um poema do livro Nos passos de Hannah Arendt: "Correrei então como corria em outro tempo/Pelos prados, pelos bosques e pelos campos:/Ficarás então como em outro tempo,/A salvação mais íntima do mundo./ Depois se contarão os passos/Pelo distante e pelo próximo;/Depois se contará esta vida

Que foi o sonho de cada instante." 

O que nos resta senão seguir?

Firmamos mais os pés. Sabemos que os caminhos estão permeados por obstáculos e barreiras. Nem sempre visíveis, apesar de concretos.

 

Por Opinião
postado em 07/08/2025 06:00
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