ARTIGO

O novo PNE pode transformar a escola em espaço de desenvolvimento integral

Incluir o desenvolvimento das competências socioemocionais como um eixo estruturante do PNE sinaliza que estamos comprometidos com uma educação que forme cidadãos plenos

Desenvolvimento socioemocional impacta diretamente o rendimento escola -  (crédito:  Ed Alves CB/DA Press)
Desenvolvimento socioemocional impacta diretamente o rendimento escola - (crédito: Ed Alves CB/DA Press)

Mozart Neves Ramostitular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados da USP de Ribeirão Preto

Em alguns dos recentes artigos que escrevi, tenho insistido na necessidade de nos anteciparmos ao futuro — mas continuamos, em particular no campo da educação, olhando mais para o retrovisor do que para onde aponta o farol. A razão dessa insistência se prende ao cenário disruptivo no qual estamos vivendo. As mudanças são exponenciais e não mais lineares. Se não estamos convencidos, recomendo que leiam o artigo Crise climática: mundo pode não ter mais volta e isso me apavora, do cientista brasileiro Carlos Nobre, publicado na Folha de S.Paulo. Esse novo cenário vai exigir das pessoas novas competências e habilidades para viver e se relacionar, seja no campo pessoal, seja no profissional. Tais competências são normalmente chamadas de socioemocionais — que incluem a criatividade, a colaboração, a persistência, a abertura ao novo, a comunicação e o pensamento crítico, entre outras.

Nesse contexto volátil e incerto, preparar crianças e jovens apenas com foco nos conteúdos tradicionais se mostra cada vez mais insuficiente. É urgente desenvolver, já nos primeiros anos da infância, habilidades que permitam às nossas crianças lidar com a complexidade do mundo atual e do futuro. E, nesse sentido, as competências socioemocionais se consolidam como parte indissociável de uma educação integral, na perspectiva de um desenvolvimento pleno, como apregoa o Artigo 2º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº. 9.394/96. 

Nesse cenário, a escola vai precisar formar indivíduos capazes de tomar decisões responsáveis, de trabalhar em equipe, de lidar com frustrações e desafios, de comunicar-se de forma empática e eficaz, de manter-se curiosos e abertos ao aprendizado contínuo. Essas habilidades, antes muitas vezes vistas como algo complementar, hoje são consideradas tão essenciais quanto o domínio da leitura, da escrita e da matemática, por exemplo. Pesquisas de diferentes áreas têm demonstrado, de forma consistente, que o desenvolvimento socioemocional impacta diretamente o rendimento escolar, a permanência dos estudantes nas instituições de ensino e, futuramente, a sua capacidade de inserção e protagonismo no mundo do trabalho. 

Muito mais do que um modismo ou uma tendência pedagógica, estamos falando de uma exigência real da sociedade contemporânea. As empresas, por exemplo, têm ampliado significativamente suas exigências em relação a essas habilidades, valorizando cada vez mais os profissionais colaborativos, criativos, resilientes e adaptáveis. Do mesmo modo, as sociedades mais inclusivas dependem de cidadãos com boa capacidade de escuta, empatia e pensamento crítico. Tudo isso precisa começar na escola. Segundo uma pesquisa realizada nos EUA e no Reino Unido em junho de 2025, 60% dos empregadores afirmam que as competências socioemocionais (soft skills) estão mais importantes hoje do que eram há cinco anos. 

No Brasil, um importante avanço foi a incorporação dessas competências na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que estabelece diretrizes para a formação dos estudantes ao longo da educação básica. Das 10 competências gerais previstas na BNCC, várias tocam diretamente a dimensão socioemocional, reforçando a importância da autonomia, da responsabilidade, da empatia, da cooperação e do protagonismo estudantil. Isso representa uma virada significativa em nossa concepção de currículo e aponta para a necessidade de novas práticas pedagógicas — e, principalmente, de um novo olhar sobre a formação dos nossos educadores.

Neste momento, o país tem diante de si uma oportunidade estratégica: a construção do novo Plano Nacional de Educação (PNE), que definirá as metas e diretrizes para a política educacional da próxima década. Incluir de forma direta o desenvolvimento das competências socioemocionais como um eixo estruturante do PNE representa não apenas um alinhamento com as demandas atuais, mas também uma sinalização clara de que estamos comprometidos com uma educação que forme cidadãos plenos. Ao tornar essas competências uma diretriz nacional, o novo PNE pode orientar currículos, programas de formação docente, investimentos em pesquisas e práticas pedagógicas que fortaleçam a aprendizagem integral e o bem-estar dos estudantes em todas as etapas da educação básica. 

Além disso, não se pode esperar que a escola desenvolva essas habilidades se os próprios professores não forem apoiados nesse processo. A formação inicial e continuada dos docentes precisa incorporar os fundamentos e estratégias para o desenvolvimento socioemocional, de forma estruturada e consistente. O professor do século 21 não pode ser formado apenas para transmitir conteúdo. Ele deve ser preparado para mediar processos de aprendizagem que contemplem o ser humano em sua integralidade, que inclui os aspectos emocional, cognitivo, ético e social. Como já disse o matemático Richard Hamming, "os professores devem preparar os alunos para o futuro dos alunos, e não para o passado dos professores". 

Sabemos que há muitos desafios pela frente, sobretudo em um país de desigualdades históricas como o Brasil. Mas também sabemos que há experiências bem-sucedidas em diversas redes de ensino, pesquisas avançadas em neurociência, psicologia e pedagogia, e, acima de tudo, uma nova geração de educadores comprometidos com a transformação da escola em um espaço de desenvolvimento humano integral. Valorizar o aspecto socioemocional é fortalecer a escola como lugar de construção de sentido, cidadania e esperança.

 

Por Opinião
postado em 07/08/2025 06:00
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