ARTIGO

Brasil dá passo histórico para a primeira infância

A assinatura da Política Nacional Integrada para a Primeira Infância (PNIPI) é um passo decisivo para fazer com que a fome, a pobreza e a desigualdade se tornem capítulos superados da nossa história

Brasil  coloca a primeira infância no centro das estratégias de combate às disparidades sociais e econômicas -  (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)
Brasil coloca a primeira infância no centro das estratégias de combate às disparidades sociais e econômicas - (crédito: Minervino Júnior/CB/D.A.Press)

Mariana Luz CEO da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, young global leader do Fórum Econômico Mundial e presidente do Conselho do Instituto Escolhas; Priscila Cruzcofundadora e presidente executiva do Todos Pela Educação e mestre em administração pública pela Harvard Kennedy School

 

Poucas alianças têm o poder transformador do encontro entre o conhecimento científico e a ação política. Foi assim com as revoluções sanitária e imunológica, que mudaram profundamente a saúde pública e elevaram a expectativa de vida no Brasil de 29 anos, em 1900, para os atuais 75. E é justamente diante de uma nova inflexão histórica, também ancorada na ciência e na vontade política, que o país se encontra neste momento com o lançamento da Política Nacional Integrada para a Primeira Infância (PNIPI), assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 5 de agosto de 2025.

O Brasil acaba de se tornar o primeiro país do mundo a colocar a primeira infância no centro de sua estratégia nacional de combate à fome, à miséria e às disparidades sociais e econômicas. Mais do que um marco legal, essa política nasce como uma aposta concreta no que há de mais avançado na ciência para romper o ciclo da pobreza e das desigualdades, que colocam 55,9% das crianças na pobreza.

A PNIPI foi construída de forma colaborativa, entre atores da sociedade civil e diferentes setores do governo federal, no âmbito do Grupo de Trabalho Primeira Infância do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável (CDESS), com a missão de garantir que nenhuma criança fique para trás.  A efetividade dessa política está respaldada por décadas de evidências científicas. 

Estudos como o Reach Up e o Perry School Project mostram que investimentos na primeira infância geram impactos positivos que atravessam gerações: crianças que recebem cuidados adequados nos primeiros anos de vida têm maior escolaridade, melhor saúde, menos envolvimento com atividades ilegais e salários até 25% mais altos na vida adulta. Esses efeitos se estendem, inclusive, aos filhos que essas crianças terão.

Esses resultados não ocorrem por acaso. Essa é uma fase profundamente sensível do desenvolvimento humano, em que cérebro, corpo e vínculos sociais se formam com velocidade e intensidade únicas. Por isso, exige ações coordenadas nas áreas de saúde, educação, assistência social, habitação, cultura e proteção — e é essa complexidade que a PNIPI vai abraçar, com diretrizes para articular políticas públicas e mobilizar a sociedade.

O desafio agora é tirá-la do papel e transformá-la num plano de ação em  movimento. Não há risco de erro afirmar que a PNIPI é a mais complexa política nacional já criada no país. Ela demandará o nível de integração de um Sistema Único de Saúde (SUS), com a diferença fundamental de não ficar restrita a uma única área. Educação, assistência social, saúde e segurança pública deverão trabalhar de maneira integrada e complementar para cuidar de cada bebê e criança na primeira infância e de sua família, com agilidade, segurança, sem sobreposição de ações e sem deixar lacunas no decorrer do processo. É fundamental que a publicação oficial do decreto esteja acompanhada de um plano de ação guiado por medidas estratégicas, com objetivos claros, metas, indicadores de acompanhamento e responsabilidades bem definidas entre os ministérios.

Um dos primeiros desafios dessa operação é a criação de um banco de dados único para todos os órgãos acessarem o mesmo sistema. Essa integração será sentida também do lado das famílias, que já possuem acesso aos dados da Caderneta da Criança de forma digital, mas que agora estarão integrados a outros dados de saúde, educação e de outros atendimentos feitos no serviço público, pelo celular. Essa é uma das muitas mudanças que a PNIPI trará para o cotidiano das famílias e da gestão pública. 

Há muito a ser feito em diferentes instâncias e em todas as áreas que a política nacional vai integrar. Não há, entretanto, missão mais certa e inspiradora do que saber que, ao realizá-la, estamos cuidando não só do bem-estar, da saúde e da segurança de cada bebê e cada criança que vive em território brasileiro hoje, como estamos também trabalhando para mitigar no médio prazo problemas de saúde da população adulta e idosa, de educação deficitária, de criminalidade, e combatendo os índices de miséria e de desigualdades. 

Ao lembrar, no futuro, que, em 2025, o Brasil convivia com mais de 35 milhões de pessoas em insegurança alimentar e mais de metade das crianças na primeira infância viviam em situação de pobreza, esses números parecerão tão absurdos quanto hoje nos soa saber que a expectativa de vida já foi de 29 anos. A assinatura da PNIPI é um passo decisivo para fazer com que a fome, a pobreza e a desigualdade se tornem capítulos superados da nossa história. Que essa nova lei seja o início de uma transformação profunda — e irreversível.

 

Por Opinião
postado em 06/08/2025 06:00
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