
Andréa Duarte Nascimento Jácomo — pediatra, membro do Departamento de Pediatria Ambulatorial da SBP/SPDF e professora de medicina do Ceub
Agosto na pediatria é o mês dedicado a várias ações para incentivar o aleitamento materno no Brasil e no mundo. Em 1992, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância reconheceram, junto com a Aliança Mundial de Ação Pró-Amamentação, a primeira semana do oitavo mês como a Semana Mundial de Aleitamento Materno (SMAM). Desde então, anualmente, o tema da campanha é explorado em materiais traduzidos em 14 idiomas com a participação de cerca de 120 países. No Brasil, a adesão à SMAM foi em 1999, quando o Ministério da Saúde começou a adaptar o lema global à nossa realidade, mas só em 2017 é que agosto virou dourado por Lei Federal.
E, para os que se perguntam se é preciso um mês inteiro de campanhas e uma semana intensa de atividades voltadas para incentivar a amamentação, vou falar: ainda é pouco. Amamentar nem sempre é fácil, nem sempre é possível, mas, sem políticas públicas e campanhas voltadas para o estímulo, fica mais difícil. Num mundo em que se medem valores e se remunera pela produtividade, como deixar as mulheres que trabalham, fora ou dentro de casa, amamentarem?
Foi preciso, primeiro, reconhecer e divulgar para médicos e famílias os vários benefícios do aleitamento materno para as crianças, para as mães e, inclusive, para o futuro da sociedade com a formação de cidadãos mais saudáveis. Não foi fácil mudar uma mentalidade de gerações e convencer que chique não era oferecer mamadeira de um leite que vem na lata, mas, sim, amamentar de peito aberto mesmo estando se recuperando do parto normal ou cesárea e que esse era um ato de amor para além dos seis primeiros meses de vida. Foi preciso muito estudo e muito engajamento materno.
Aos poucos, fomos avançando, de agosto em agosto, com uma legislação que garante pelo menos quatro meses de licença às mães que trabalham com carteira assinada, de seis meses para as funcionárias públicas e que gera benefícios para algumas empresas que adotaram essa extensão também. Outro marco importante veio para as mães de prematuros garantindo legalmente que a licença-maternidade seja contada a partir da alta hospitalar do bebê, e não da data do parto, permitindo mais tempo de convivência e facilitando a amamentação após a volta para casa.
Como pediatra, defensora do aleitamento, só na amamentação da minha primeira filha pude sentir na pele, ou melhor, no peito, como amamentar pode ser desafiador. Conheci junto com as dores do pós-parto, as fissuras mamárias, a tempestade hormonal e a privação do sono, o que a autora Rafaela Carvalho tão bem descreve nos textos do livro 60 dias de neblina: aquilo que "não se escuta do obstetra nem do pediatra, não está nos livros, não se aprende nas classes". São noites que parecem intermináveis com o bebê inconsolável no colo.
Sim, muitas mulheres não recebem o apoio necessário para persistir. Muitas mulheres não podem amamentar — seja porque enfrentam doenças ou tratamentos que contraindicam a amamentação; seja porque os bebês apresentam alterações que impossibilitam a amamentação, essas são condições raras, mas que existem e precisam ser reconhecidas e respeitadas inclusive no agosto dourado.
Nenhuma mãe é melhor ou pior porque não pôde amamentar. Tão bom ouvir uma voz que tranquiliza, seja da família, seja do profissional de saúde que acompanha: "Calma, sei que não está fácil, mas vai melhorar". Tão difícil quando quem deveria apoiar dificulta ainda mais essa função, exagera na cobrança ou até contribui para que o desmame ocorra na primeira, na segunda ou na terceira dificuldade, já que são inúmeras.
Por isso, a importância de um mês para conscientização de quem não amamenta, mas apoia, dos profissionais de saúde que podem e devem falar da amamentação antes mesmo do nascimento e da legislação que garante esse direito às mães e aos bebês. O lema deste ano "Priorize a Amamentação. Crie Sistemas de Apoio Sustentáveis" nos lembra que, pelo gesto de amamentar, é possível contribuir também para um mundo melhor, já que se oferece um alimento natural, acessível e, como ressalta a Dra. Rosiclei Pinheiro, presidente do Departamento Científico de Aleitamento Materno da Sociedade Brasileira de Pediatria, "produzido e entregue sem poluição, sem embalagens e sem resíduos".
Por todos os benefícios já documentados em vários estudos, para além do mês de agosto, priorizar a amamentação não deve ser uma função só de quem tem peito para amamentar, é preciso que seja prioridade também para outros membros da família, dos governos, das instituições públicas e privadas e de todos que acreditam num mundo melhor.