ARTIGO

Política de manejo do fogo: resposta à altura dos incêndios de 2024?

Sancionada há um ano, a PNMIF depende de ação concreta, compromisso político e, sobretudo, da escuta ativa de quem já cuida do fogo há gerações para que o Brasil passe a agir antes das chamas

PRI-0508-OPINI -  (crédito: Maurenilson Freire)
PRI-0508-OPINI - (crédito: Maurenilson Freire)

Ane Alencardiretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e coordenadora do Mapbiomas FogoJarlene Gomes pesquisadora do Ipam

 

Em 2024, o Brasil viveu uma temporada de incêndios florestais sem precedentes. Pela primeira vez em quatro décadas, os principais biomas do país — Amazônia, Cerrado, Pantanal e Mata Atlântica — queimaram de forma simultânea, deixando um rastro de destruição e exigindo resposta que o país não estava preparado para dar. 

Dados do MapBiomas Fogo registraram mais de 30 milhões de hectares queimados no país ao longo do ano, 62% acima da média anual histórica. E o que chamou atenção foi que 72,7% dessa área estava coberta por vegetação nativa. As formações florestais foram as mais afetadas, com 7,7 milhões de hectares destruídos, representando um salto de 287% em relação à média histórica dessa classe. 

Trata-se de um cenário em que as mudanças climáticas tornaram a vegetação mais seca e inflamável, testando os limites da nossa capacidade de resposta e expondo a vulnerabilidade das políticas públicas diante de um problema que é tanto ambiental quanto social e climático.

Esses números não são somente estatísticas, eles nos trazem um alerta importante: o ano de 2024 deve ser lembrado como o marco de um novo momento de incêndios mais severos e mais frequentes, impulsionado por mudanças nos fatores climáticos que tornam a vegetação mais inflamável e aumentam os riscos de eventos extremos.  

Diante de um quadro tão grave, ficou evidente a ausência de uma estratégia coordenada e de um marco legal capaz de articular esforços entre União, estados e municípios. As ações de combate continuaram sendo majoritariamente reativas, quando o momento exigia planejamento, prevenção e integração. Faltava ao Brasil uma política nacional que tratasse o fogo não apenas como desastre, mas como fenômeno ecológico e cultural, que exige abordagens diferenciadas em cada contexto territorial.

Foi nesse cenário crítico que, após mais de seis anos de tramitação no Congresso Nacional, foi aprovada a Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo (PNMIF), instituída pela Lei 14.944 em 31 de julho de 2024, que propõe diretrizes e princípios inovadores e fundamentais para enfrentamento do problema — fruto de ampla concertação. 

Em resumo, ela propõe a elaboração de planos de manejo do fogo em diferentes escalas, estimula ações de prevenção, regulamenta o uso controlado do fogo como ferramenta de conservação e prevê a articulação entre instituições públicas e sociedade civil. Além disso, a política valoriza o diálogo entre saberes tradicionais e científicos, algo essencial em um país de dimensões continentais e biomas diversos.

Um ano após sua sanção, a PNMIF deu seus primeiros passos. O governo federal consolidou o Comitê Nacional de Manejo Integrado do Fogo (Comif), alguns estados iniciaram a elaboração de planos estaduais e grupos de trabalho interinstitucionais começaram a se formar. Houve, também, esforços de capacitação e de escuta de comunidades que historicamente manejam o fogo de forma responsável. 

Apesar disso, persistem fragilidades institucionais, baixa integração entre órgãos e recursos limitados para planejamento e prevenção, em um cenário ainda marcado por uma cultura institucional fortemente centrada no combate. Por outro lado, avanços relevantes começam a se consolidar: aumento do número de brigadistas, destinação de recursos do Fundo Amazônia para os Corpos de Bombeiros, apresentação de planos operacionais estaduais para combate a incêndios florestais e resoluções do Comif que vêm orientando e fortalecendo a implementação da política. Além disso, acabamos de fechar o sétimo mês do ano e o Brasil já apresenta um número 50% menor no número de focos de calor, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). 

A crise de 2024 mostrou que o Brasil não pode mais se dar ao luxo de tratar o fogo apenas como emergência. É preciso agir antes das chamas. A PNMIF oferece o caminho, mas sua efetividade dependerá da vontade política, da destinação de recursos adequados, da integração multiagências e do reconhecimento de que não existe solução sem a participação ativa de quem vive e conhece profundamente os territórios. 

O futuro das nossas florestas, savanas e áreas úmidas está em jogo. A PNMIF pode marcar uma virada, é a chance histórica de virar o jogo. Mas essa virada depende de ação concreta, compromisso político e, sobretudo, da escuta ativa de quem já cuida do fogo há gerações. O tempo da reação passou. Agora, é hora de planejar, para que 2024 não se repita e para que o futuro seja construído com prevenção, diálogo e justiça climática.

 

Por Opinião
postado em 05/08/2025 06:00
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