
O pacote emergencial que o governo brasileiro prepara para mitigar os efeitos das tarifas de 50% impostas pelos Estados Unidos deve ser anunciado nos próximos dias. A equipe econômica está na fase de ajustes técnicos para a implementação das medidas, que levam em consideração diferentes cenários. Ontem, o vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), Geraldo Alckmin, afirmou que o plano de contingência deve ser anunciado até a próxima semana.
"O presidente vai bater o martelo, e aí vai ser anunciado. Se não for amanhã (hoje), provavelmente, na segunda ou terça-feira", disse Alckmin, após participar de uma reunião com o encarregado de negócios da Embaixada dos EUA no Brasil, Gabriel Escobar, ontem.
Segundo Alckmin, o plano de contingência é destinado para as empresas que foram mais impactadas pelo tarifaço. Ele destacou, no entanto, que mesmo entre setores que passaram a ter a alíquota máxima de 50% sobre a importação, podem não ser incluídos nas medidas, se a grande maioria da produção for destinada apenas para o mercado interno.
"Vai pôr uma 'régua', porque existem setores em que 90% são do mercado interno. A exportação é 5%, no máximo 10%. E tem setores que metade do que produz é para exportar. E tem setores que, do que exporta, mais da metade é para os Estados Unidos", disse o vice.
Apesar de não detalhar como, o Alckmin voltou a afirmar que a tarefa do governo, neste momento, é trabalhar para reduzir a alíquota aplicada pelos Estados Unidos aos produtos brasileiros e buscar excluir o máximo de itens da lista de taxação. "E, por outro lado, ter um plano de contingência para atender os setores que são os mais expostos pelos Estado Unidos", afirmou.
Negociador dos EUA
Sobre a reunião que teve com o encarregado de negócios da Embaixada norte-americana, Alckmin disse que voltou a expor os argumentos tratados nas primeiras negociações, como o fato de 8 dos 10 principais produtos exportados dos EUA para o Brasil terem tarifa zero e que se há algum problema não-tarifário, é preciso "sentar, conversar e resolver".
O plano de contingência elaborado pelo governo prevê crédito subsidiado, compras públicas e apoio direto a setores exportadores, com o objetivo de dar fôlego às empresas mais afetadas pela nova barreira comercial. A previsão é de que o governo apresente, em um primeiro momento, apenas os principais eixos do plano. Além de novas linhas de crédito com juros subsidiados, que devem ser operadas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), está prevista a ampliação de compras governamentais, principalmente no caso de alimentos perecíveis.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, adiantou que pequenas empresas sem alternativas viáveis de exportação devem estar entre as principais beneficiadas. O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, por sua vez, afirmou que a pasta deve concentrar esforços em regulamentações internas para estimular o consumo doméstico de parte da produção que deixará de ser exportada aos norte-americanos.
A proposta é direcionar os produtos mais afetados, sobretudo os perecíveis, ao mercado interno, por meio de programas de compras públicas em diferentes níveis de governo. O governador do Ceará, Elmano de Freitas, que se reuniu ontem, em Brasília, com o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, destacou a articulação entre os governos estaduais e o federal para a realocação dos produtos que seriam exportados. "É um conjunto de medidas que permite, nos estados, nos reunirmos com cada setor empresarial para garantir competitividade às empresas brasileiras e cearenses", disse à imprensa.
O governador disse, ainda, que saiu do encontro "muito satisfeito". "Com essas informações, vamos nos reunir com nossa equipe do estado para nos prepararmos e avançarmos até o anúncio", emendou. Segundo ele, uma das estratégias discutidas deve permitir que governos estaduais adquiram, de forma simplificada, produtos que deixaram de ser exportados. "No caso do Ceará, por exemplo, temos uma carga considerável de pescado, de castanha de caju, produtos que podemos comprar e queremos fazer isso", adiantou Elmano.
A avaliação, até o momento, é que as medidas devem ser calibradas conforme o impacto específico em cada setor. Para José Augusto de Castro, presidente-executivo da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), ainda não há dados suficientes para um plano de contingência robusto. Ele considera acertada a decisão do Executivo em agir com parcimônia. “O governo sabe exatamente o que precisa fazer. É claro que há elementos mais técnicos do que políticos, e a tendência é evitar decisões que possam gerar atritos no futuro”, disse.
O governo norte-americano concedeu isenção tarifária a quase 700 produtos. De acordo com Castro, o foco das negociações deve ser em aumentar essa lista. “Acho que vão ser criadas mais isenções de produtos, o que vai tornar um pouco menos difícil exportar para os Estados Unidos.”
Risco fiscal
Em meio ao desequilíbrio nas contas públicas, o pacote emergencial se soma às pressões do atual cenário geopolítico internacional. Embora a proposta busque oferecer fôlego imediato aos exportadores, especialistas alertam para os possíveis efeitos colaterais da estratégia, como o aumento do deficit fiscal e a insegurança jurídica relacionada às contrapartidas necessárias para viabilizar o auxílio.
Para Mary Elbe Queiroz, presidente do Cenapret e fundadora do Queiroz Advogados, o plano precisa ser analisado com rigor. “Qualquer ampliação de gastos públicos, como subsídios e incentivos, inevitavelmente levanta discussões sobre fontes de compensação e possíveis ajustes na carga tributária”, afirmou.
A tributarista chama atenção para um ponto crítico: a resposta econômica, se mal calibrada, pode vir acompanhada de medidas fiscais que penalizem setores não diretamente afetados pelas tarifas, gerando distorções na estrutura tributária e ampliando a incerteza para os contribuintes.
O debate ocorre em um momento sensível, às vésperas da regulamentação da reforma tributária, o que, segundo Queiroz, exige atenção redobrada. “É essencial que essa resposta preserve o equilíbrio fiscal sem gerar insegurança jurídica para contribuintes e empresas exportadoras”, reforçou.
A expectativa, segundo ela, é que o pacote emergencial não apenas atenue os efeitos imediatos do tarifaço, mas também fortaleça o compromisso do país com um sistema tributário moderno, equilibrado e juridicamente estável.
Pedro Da Matta, CEO da Audax Capital, compartilha da preocupação. Para ele, programas emergenciais, quando repetidos, correm o risco de se transformar em “compromissos permanentes disfarçados”. Ele destaca os impactos da taxação sobre o agronegócio, tanto na pauta exportadora quanto nos custos de insumos. “O agro brasileiro, no entanto, já demonstrou inúmeras vezes sua capacidade de adaptação frente a choques externos”, afirmou.
Embora haja justificativa para proteger cadeias produtivas diante de choques abruptos, Matta ressalta que o uso de recursos públicos em um contexto de fragilidade fiscal exige cautela. “O foco agora deve ser estruturar o acesso a esses instrumentos com inteligência financeira e visão de longo prazo”, concluiu.