MEMÓRIA

"Preta lutou até o fim", diz médica que acompanhou a artista

Em homenagem aos 51 anos que Preta Gil completaria nesta sexta (8/8), Roberta Saretta — médica que a acompanhou desde o diagnóstico — compartilha relatos emocionantes da luta da cantora contra o câncer e sua vontade de voltar ao Brasil

Preta Gil  -  (crédito: Reprodução/Instagram)
Preta Gil - (crédito: Reprodução/Instagram)

Preta Gil foi acompanhada, desde o início do tratamento contra o câncer que a levou, pela médica Roberta Saretta. Nesta sexta-feira (8/8), Preta completaria 51 anos se estivesse viva. Como homenagem, Saretta — coordenadora da equipe do cardiologista Roberto Kalil, do Hospital Sírio-Libanês (São Paulo) — revelou ao jornal O Globo como foram os dois anos e meio da batalha da artista contra a doença. 

Entre dias tristes e alegres durante o tratamento oncológico, a maior vontade de Preta era retornar ao Brasil, segundo a médica. Mas seu estado de saúde não aguentaria a viagem. Foi, então, de ambulância ao hospital mais próximo, onde passou seus momentos finais. "Quando a ambulância chegou para levá-la ao aeroporto e os paramédicos mediram as taxas, ela estava estável, com índices normais: pressão, eletro, tudo. Ela queria, com todas as forças, chegar ao Brasil", disse Saretta ao jornal O Globo.

"Durante o trajeto de uma hora e 20 minutos até o avião, fiquei de frente para ela, repetindo que a levaria para casa. Ela estava acordada o tempo todo. Ao chegar ao aeroporto, passou mal, vomitou. 'Estamos quase lá', eu falei. 'Preta, você dá conta de viajar? Segura mais um pouco?' E ouvi a resposta: 'Não dou conta'. Pedi para o paramédico nos levar ao hospital mais próximo. Chegamos em oito minutos. Quiseram reanimá-la. Poucos minutos depois, ela se foi", relembrou. 

Conforme a médica, a família Gil é paciente do Roberto Kalil há décadas. Foi em 2016 que Roberta Saretta se aproximou deles, quando Gilberto adoeceu. “Vi a Preta algumas vezes nos períodos de internação do pai”, narrou. “Mas meu primeiro contato oficial com ela, digamos assim, foi no Rio. A Flora soube que eu estava passando meu aniversário por lá e me chamou para ir à casa deles. Falou que ia ter um bolo para mim. Os dois são extremamente carinhosos, têm a casa sempre cheia de amigos, e eu estava um pouco tímida entre eles. Quando a Flora foi pegar o bolo para cantar parabéns, disse, da cozinha: "Quem comeu o bolo?". A Preta respondeu no ato: "Gente, eu não sabia que era bolo de aniversário, achei que fosse uma sobremesa!". Me deu um alívio e foi divertido, todo mundo riu. Essa era a Preta.”

Em janeiro de 2023, Preta se tornou paciente de Roberta Saretta. Na época, teve um sangramento intestinal e foi internada na Clínica São Vicente (Rio de Janeiro), onde recebeu o diagnóstico do câncer. "Ela respondeu mal ao tratamento. Eu queria vê-la, mas era uma fase conturbada para a Preta — ela também estava passando por uma separação amorosa. A Flora e o Gil estavam prestes a vir ao Sírio fazer um check-up, e combinei com eles de trazerem a Preta para São Paulo, com o pretexto de visitá-los. Ela não parava quieta, eu sabia que seria difícil pegá-la. Armei uma arapuca. Quando ela chegou ao Sírio, tranquei-a em um quarto. Falei que ela não sairia dali sem fazer exames, que eu não queria saber dos problemas pessoais dela. A Flora e o Gil ajudaram muito, entraram no quarto, conversaram, e ela topou ficar", contou a médica. 

Roberta Saretta comentou que Preta não queria viver apenas mais alguns meses — ela queria sobreviver. Por isso, buscou tratamento fora do Brasil. “Só entende isso quem lida com a morte. O cuidado paliativo não é só estar com a família. É compreender o indivíduo. A possibilidade do tratamento experimental a iluminou”, explicou. A médica também acompanhou o tratamento nos Estados Unidos. 

“Procuramos em vários lugares, e fomos negados em muitos”, relatou sobre a medicina internacional. “Não é simples mesmo. A preferência é para os americanos; há uma infinidade de regras. Teve um médico que chegou a falar: 'Se você sobreviver, volte aqui'”

Mesmo com as adversidades, Saretta destacou que Preta sempre foi feliz e festiva: “Só a vi reclamar uma única vez, mas foi uma reclamação de cansaço. Um dia de manhã, um pouco antes da grande cirurgia, ela me perguntou: "Roberta, é possível o assistente do médico não encostar no meu pé quando ele vier falar comigo?". Esse profissional do hospital sempre conversava com a Preta fazendo massagem nos pés dela. Como a Preta era muito amável, algumas pessoas achavam que tudo bem tocar nela toda hora. Era comum acontecer. O quarto da Preta era uma festa. Raramente tinha menos de cinco pessoas.”

Além do dia da morte, o dia mais difícil para a médica foi em março, quando deu a notícia do resultado do último PET — o exame mostrou que a doença tinha se espalhado por outros órgãos, como fígado e pulmões. “Quando entrei para falar com ela, o quarto estava cheio de amigos, como sempre. Perguntei se ela preferia ter a conversa a sós com os médicos. Pela primeira vez, ela pediu para as pessoas saírem. Tenho a impressão que ela me sentiu, viu no meu rosto algo estranho. Não tinha como ser diferente, meu vínculo com ela, com a família toda, era e é profundo. Senti uma faca no meu peito. Ao saber, ela me perguntou: "Se eu não fizer nada quanto tempo tenho de vida?". Respondi: de seis a oito meses. "Tem alguma coisa para eu fazer? Eu vou morrer?", lamentou. 

Nos últimos dias, Preta e a médica celebraram a vida da artista. “Fizemos coisas que ela amava fazer, comemos hambúrguer, tomamos Coca-Cola com açúcar”, descreveu. “Viveu intensamente cada segundo até o fim. É muito difícil ter essa disponibilidade emocional quando se vive a terminalidade. Ela teve até o último minuto da vida. Preta lutou pela vida com muito amor até os últimos minutos antes de morrer.”

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postado em 08/08/2025 16:21
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