HOMENAGEM

Arlindo Cruz é gigante na música pelo conjunto da obra, destaca biógrafo

Na biografia escrita pelo jornalista Marcos Salles, a grandeza do cantor e compositor se revela. Além de belas imagens da trajetória do artista, o livro é um documento estético, musical e espiritual da ancestralidade negra

arlindo ccruz -  (crédito: kleber sales)
arlindo ccruz - (crédito: kleber sales)

Neste samba, "Meu lugar," cheio de afeto e elegância, Arlindo Cruz, que morreu ontem, encanta o Brasil com a grandeza poética dos subúrbios do Rio de Janeiro. A canção, uma parceria com Mauro Diniz, é uma ode ao carioca humilde e às comunidades. É esse o verniz poético traçado na biografia "O sambista perfeito" (Editora Malê), do jornalista Marcos Salles. "Arlindo tem a sutileza de ir por caminhos que muitos não conseguem. Tanto na melodia quanto na letra, deixando muitos sambas que traçam personagens e a geografia bem carioca", destaca Salles. O sambista e seu banjo rodaram o mundo, sempre com a grandeza de um menino do Rio, de origem humilde, mas cheio de orgulho pela sua ancestralidade. Escreveu mais de 700 músicas e superou as 3 mil gravações em sua trajetória, até que um Acidente Vascular Cerebral (AVC) hemorrágico o derrubasse numa cama, em 17 de março de 2017. Mas Arlindo é grande, como sua obra. Salles falou com 120 pessoas, como Maria Bethânia, Zeca Pagodinho, Maria Rita, Regina Casé, a esposa Babi, filhos e familiares. "Foram muitas conversas emocionantes, em que o choro, às vezes, parava tudo", diz o biógrafo em entrevista exclusiva ao Correio. O livro tem ritmo e narra histórias curiosas de Arlindo, além de ser um trabalho minucioso com informações sobre o sambista.

Qual a dimensão de Arlindo Cruz no samba? Ele pode ser comparado a mestres como Cartola ou Paulinho da Viola?

A dimensão do Arlindo na música é gigantesca, justamente pelo conjunto de sua obra. Das mais de 3 mil vezes que gravou seu banjo em discos, por sua genialidade em fazer letra e melodia e na sua única interpretação. Sempre aberto a todo tipo de samba, nunca teve preconceito e é o elo entre o partido-alto de Aniceto e Candeia com o samba da garotada como Só no sapatinho (Arlindo Cruz/Marquinho PQD/ Jorge Davi). E pode, sim, ser comparado a mestres como Candeia, Paulinho, Martinho, Almir e Zeca.

O que te levou a escrever a biografia de Arlindo, justamente no período em que ele sofreu um grave AVC e hoje luta pela vida?

Comecei as conversas para a biografia do Fundo de Quintal duas semanas depois do AVC do Arlindo e nem pensava em sua biografia, pois já tinha ouvido falar que ela estava pronta. Foi quando no início de 2021 a (produtora) Babi (Bárbara Cruz, grande amor de Arlindo) “me intimou” a fazer, dizendo que só eu poderia escrever este livro. O jornalista Hílton Mattos havia começado em 2006, mas teve de parar por motivos de trabalho. Ele me cedeu os cinco capítulos que havia escrito, o que me ajudou. Mas mergulhei na história do Arlindo, que conheci em 1981.

Qual é a origem do sambista? Quando tudo começou?

O DNA musical do Arlindo vem de sua avó Flora, jongueira, partideira, que tocava piano. Arlindão, pai de Arlindo tocou cavaquinho com Candeia, e a mãe, Dona Aracy, cantava nos saraus em casa. Quando era pequeno, ele se interessou pelo cavaquinho, aprendeu os primeiros acordes com o pai e, de lá para cá, é muita história.

O pai foi a grande influência de Arlindo? O pai, a mãe e toda uma família musical, como os tios Ari da Liteira, mestre-sala da Portela; e Joni, seu padrinho violonista e compositor.

Como era o Rio de Janeiro na juventude do sambista? Você lembra, no livro, a ação dos esquadrões da morte, conte um pouco sobre isso?

Eram os difíceis anos da ditadura militar, mas nada disso chegou até a quadra do Cacique de Ramos (em Olaria), onde Arlindo desenvolveu sua musicalidade ao entrar para o Grupo Fundo de Quintal. O pai policial, acabou se envolvendo (na política), foi preso, cumpriu sua pena e saiu reabilitado.

Você colheu depoimentos apaixonantes de artistas sobre a relação com Arlindo. Quais que você destaca, e por quê?

Foram muitas conversas emocionantes, em que o choro, às vezes, parava tudo. Maria Betânia falou de um disco que Arlindo ia fazer cantando músicas do Caetano Veloso, Marcelo D2 e Rogê falaram da forte amizade com Arlindo e sua aproximação à juventude, Regina Casé e Estevão Ciavatta sobre o período do Esquenta, entre tantos depoimentos que definiram Arlindo Cruz.

A poética e o lirismo de Arlindo em relação ao Rio, universaliza o samba, como Fernando Pessoa, que fez versos universais sobre sua aldeia. É por aí?

É por aí. Arlindo tem a sutileza de ir por caminhos que muitos não conseguem. Tanto na melodia quanto na letra, deixando muitos sambas que traçam personagens e a geografia bem carioca.

No livro, o grande sambista Sombrinha fala da relação com Arlindo no Cacique de Ramos e como surgiu a parceria. Além dele, quais os principais parceiros de Arlindo?

Acyr Marques, Franco, Sombrinha, Marquinho PQD, Maurição, Jorge Davi, Rogê, Zeca Pagodinho, Jr Dom e Aluísio Machado são os parceiros que mais músicas fizeram com Arlindo. Mas foi com Franco que Arlindo mais tem músicas gravadas: 120.

O carnaval faz parte da matriz poética de Arlindo?

Faz, sim, e com muita força. Só no Império Serrano ganhou 12 vezes e mais quatro na Vila Isabel, entre outras escolas. Um apaixonado por samba-enredo, pelo carnaval. Chegou a ter a Ala do Banjo no Império Serrano, onde desfilaram nomes como Beth Carvalho e Almir Guineto, por exemplo.

Como a MTV transformou o sambista numa estrela pop?

O grande responsável foi Marcelo D2, que trouxe a diretoria da MTV para conhecer o Pagode do Arlindo. Foi amor a primeira vista e saiu um lindo DVD.

O Sambista Perfeito

De Marcos Salles. Editora Malê. Número de páginas: 462 páginas + 30 páginas com fotos. Preço: R$ 85

  • arlindo ccruz
    arlindo ccruz Foto: kleber sales
  •  O livro, O sambista perfeito
    O livro, O sambista perfeito Foto: Malê Editora
  • arlindo cruz capa
    arlindo cruz capa Foto: kleber sales
postado em 09/08/2025 06:00
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