
Os resultados de um estudo, publicado ontem na revista Nature, identificam a deficiência de lítio como uma das causas do Alzheimer, que atinge cerca de 400 milhões de pessoas no mundo, indica que este pode ser o caminho para o tratamento da doença, que atinge, sobretudo, quem está acima dos 50 anos. Os pesquisadores da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, verificaram que o elemento químico desempenha um papel essencial na função cerebral. Os cientistas realizaram uma série de experimentos com camundongos, administrando um determinado sal, o orotato de lítio, para verificar a reação em caso de perda de memória e alterações semelhantes à demência.
Leia mais:
Gorilas procuram antigas amigas mesmo após anos longe, diz pesquisa
Temperaturas altas afetam dieta de animais
Por enquanto, os resultados foram observados apenas em animais, portanto, ainda é cedo para afirmar que os efeitos são semelhantes em humanos, segundo os pesquisadores. Para Bruce Yankner, líder da pesquisa, o diagnóstico e tratamento do Alzheimer se assemelham a um campo de batalha. Na década de 1990, ele próprio descobriu uma proteína, a beta amiloide, que seria a responsável pela degeneração neuronal. "Até agora, os resultados são muito encorajadores", disse o autor.
Outra proteína, chamada tau, forma emaranhados dentro das células cerebrais desses pacientes. E a ativação das células imunológicas mantém a neuroinflamação crônica que danifica os neurônios e deteriora suas conexões. A equipe de Harvard estuda os impactos em torno de 30 elementos químicos metálicos, como ferro e cobre, no complexo processo que desencadeia o Alzheimer.
As análises foram feitas em mostras humanas armazenadas — de cérebros saudáveis e também de indivíduos em distintos estágios de declínio cognitivo — no Banco de Cérebros de Rush University de Chicago. Depois de examinar detalhadamente o material, verificou-se que os níveis de lítio diminuíram drasticamente à medida que o Alzheimer progredia. As descobertas levaram 10 anos para serem elaboradas.
Medicação
Em um conjunto final de experimentos, a equipe verificou que um novo composto de lítio, que evita a captura pelas placas amiloides, restaurou a memória em camundongos. Os resultados unificam observações de décadas em pacientes, fornecendo uma nova teoria da doença e uma nova estratégia para diagnóstico precoce, prevenção e tratamento. De acordo com os estudos, fatores genéticos e ambientais afetam o risco de Alzheimer, mas os cientistas ainda não descobriram por que algumas pessoas com os mesmos fatores de risco desenvolvem a doença e outras não.
Compostos à base de lítio são usados para tratar transtorno bipolar e transtorno depressivo maior, mas são administrados em concentrações muito mais altas, que podem ser tóxicas, especialmente para idosos. A equipe de Yankner descobriu que o orotato de lítio é eficaz em uma dose bastante baixa — o suficiente para imitar o nível natural de lítio no cérebro. Camundongos tratados durante quase toda a vida adulta não apresentaram evidências de toxicidade.
O estudo aumenta a esperança de que os pesquisadores possam um dia usar o lítio para tratar a doença como um todo, em vez de focar em uma única faceta, como beta-amiloide ou tau. Porém, as revelações devem ser confirmadas em experimentos com humanos por meio de ensaios clínicos, que vão verificar os níveis de lítio, na tentativa de detectar o Alzheimer precocemente. As descobertas apontam para a importância de testar compostos de lítio que evadem a proteína amiloide para tratamento ou prevenção.
É preciso avançar
"É uma doença complexa que envolve fatores genéticos, ambientais, degeneração e inflamação e que tem muitos mecanismos, que se sustentam ao longo do tempo. Há vários íons e metais já estudados em relação à inflamação. O mais importante é o ferro, mas cobre e zinco também são analisados. O zinco foi alvo de estudos inclusive desde 2010. Houve pequenos estudos clínicos com lítio. O que essa pesquisa publicada na Nature traz é que havia uma redução de lítio no cérebro de ratos, que tinham declínio cognitivo — e que esse lítio era meio sequestrado pelas estruturas que estão anormais dentro da célula de pessoas com Alzheimer. A comunidade científica aprendeu com a doença, porque há vários estudos com outras drogas. São anos de estudos, não um apenas. O interessante é que talvez surjam drogas muito mais baratas do que as que há hoje em dia. Tratamentos que se consigam fazer suplementações ou outros estímulos, promovendo um silenciamento gênico em outras questões. Então, talvez ali, parte de que talvez essas doenças degenerativas complexas sejam tratadas com um coquetel. Quando você estuda suplementos mais leves, algo que eu acho que cabe nesse contexto para pensar que, na verdade, tem que lidar com uma doença complexa, com o tratamento. Mas também não será uma droga só que vai resolver tudo."
Luiza Gonzaga Piovesana, médica neurologista e atua com idosos residentes na Terça da Serra, rede residencial senior
Saiba Mais
Funções cerebrais
No cérebro, o lítio atua como estabilizador de humor, modulador da neurotransmissão, influenciando a sinalização celular, com impactos neuroprotetores, pois tem capacidade de estimular novos neurônios. Em forma de medicação deve ter acompanhamento específico para garantir segurança e eficácia.