
Diante do impasse e do desafio global de buscar uma solução para a crescente poluição causada pelos plásticos, representantes de 184 países começaram nesta terça-feira (05), em Genebra, na Suíça, na sede das Nações Unidas, as negociações em busca de um acordo. A ideia é definir, em 10 dias, o primeiro tratado mundial para controlar o problema e resguardar o planeta. O presidente do comitê de negociação, colocou os Estados diante da responsabilidade de enfrentar uma "crise mundial". "A poluição por plásticos está danificando os ecossistemas, contaminando nossos oceanos e rios, ameaçando a biodiversidade, prejudicando a saúde humana e afetando de forma injusta os mais vulneráveis. A responsabilidade recai sobre nós", afirmou.
Para Alexander Turra, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN), professor titular do Instituto Oceanográfico da USP e responsável pela Cátedra Unesco para a Sustentabilidade do Oceano, o momento é agora, não será possível aguardar mais três anos. "É fundamental que esse processo seja finalizado agora, para poder então entrar numa outra fase e que vai permitir com que elementos que não foram bem trabalhados agora possam ser posteriormente."
Há três anos em discussão, o texto "juridicamente vinculante" para os Estados "não será alcançado automaticamente", advertiu Vayas Valdivieso, ao receber os delegados de mais de 600 ONGs. Os debates ocorrem em meio a intensas tensões geopolíticas e comerciais, a sessão adicional de negociações, denominada INC-5.2, convocados após o fracasso de uma rodada organizada em dezembro em Busan, na Coreia do Sul. Um grupo de países produtores de petróleo bloqueou na ocasião qualquer avanço.
A diretora executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), Inger Andersen, que organiza a reunião, admite que há dificuldades, mas está otimista. "A maioria dos países com que conversei disse que vem a Genebra para chegar a um acordo", acrescentou. "Vai ser fácil? Não. Vai ser simples? Não. É complexo? Sim. Há um caminho para chegar a um tratado? Absolutamente", acrescentou a diplomata experiente, com ampla vivência em negociações ambientais complexas. Ela destacou que está "determinada" a alcançar um acordo.
A poluição provocada pelos resíduos plásticos é um "perigo grave, crescente e subestimado" para a saúde, que custa ao mundo pelo menos US$ 1,5 trilhão (R$ 8,2 trilhões) por ano, alertaram especialistas em um relatório publicado na segunda-feira na revista médica The Lancet. Philip Landrigan, médico e pesquisador do Boston College dos Estados Unidos, alertou que as pessoas vulneráveis, em particular as crianças, são as mais afetadas pela poluição dos plásticos.
Controvérsias
O porta-voz do Conselho Americano da Indústria Química, Matthew Kastner, defendeu o plástico e os serviços que o material oferece às sociedades modernas. "É vital para a saúde pública", afirmou, em particular graças a todos os equipamentos médicos estéreis, máscaras cirúrgicas, tubos, embalagens, entre outros elementos, que permitem melhorar a higiene e a segurança alimentar.
Um argumento pouco apreciado pelas organizações não governamentais. "Nossa prioridade é conseguir reduzir a produção de plástico," acrescentou Seema Prabhu, da ONG suíça Trash Hero World, que atua principalmente em países do sudeste asiático como Tailândia, Vietnã, Indonésia e Malásia. "Há muitas fábricas petroquímicas e de plástico nesses países e, portanto, muitos postos de trabalho que dependem delas. Por isso, defendemos uma transição justa com a criação de emprego na reutilização, reciclagem e coleta de resíduos", acrescentou.
Mais de 100 países defendem a redução global da produção de plástico e a eliminação gradual de certos produtos químicos e plásticos de uso único. Mas nações com grandes indústrias de combustíveis fósseis — como Arábia Saudita, China, Rússia e Irã — se opõem às restrições e pressionam por um tratado focado apenas na gestão e reciclagem de resíduos. Os Estados Unidos indicaram apoio a uma versão menos ambiciosa do acordo, sem cortes na produção.
Brasil é exceção
Nos últimos meses várias reflexões ocorreram e nós temos também a possibilidade de ver ações sendo executadas, planejadas e tratadas. Então, entendo que se chegará um resultado final, ainda que não seja o ideal. É importante que se trate e estabeleça o processo de implementação dele, de ratificação e construção de instrumentos. Aí, talvez, seja possível apaziguar algumas das arestas. A expectativa é que o processo seja concluído, considerando as ambições trazidas, inicialmente, em relação a se ter um instrumento que efetivamente racionalize o uso do plástico na sociedade. É fundamental que se fortaleça o entendimento da responsabilidade estendida do produtor e isso deve formar toda a cadeia de valor numa discussão estruturada, sistêmica e integrada para se reverter este cenário que a gente vê hoje de poluição ambiental por plásticos incluindo o ambiente marinho. O Brasil vem dialogando com esse movimento desde a sua origem e tem como uma proposta de decreto a Estratégia Nacional Oceano Sem Plástico, que foi construída com base numa série de diálogos com diferentes atores da sociedade, internalizando princípios que já vêm sendo trabalhados no âmbito do Tratado Internacional. Mas o Brasil é uma exceção, e vem sendo um grande protagonista nessa temática. Então, minha expectativa é que esse processo se consolide como um tratado ambicioso.
Alexander Turra, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN) e professor da Universidade de São Paulo (USP)
Duas perguntas para Michel Santos, gerente de Políticas Públicas do WWF-Brasil
Qual a perspectiva para essas discussões?
As expectativas são altas — e precisam ser. O mundo não pode mais adiar uma resposta robusta à crise da poluição plástica. O que está em jogo no INC-5.2 é mais do que um texto: é a credibilidade do sistema multilateral e a possibilidade real de proteger a saúde das pessoas, dos oceanos e da biodiversidade. A maioria dos países já expressou apoio a um tratado forte, com *regras globais obrigatórias* que regulem a produção, o design e o uso do plástico ao longo de todo o seu ciclo de vida. Empresas e a sociedade civil também estão engajadas. O que falta é transformar essa vontade política em decisão. É possível termos um tratado internacional até o fim de 2025, mas apenas se os países deixarem de lado a ilusão do consenso a qualquer custo e agirem com coragem para adotar um acordo ambicioso, mesmo que isso exija votar ou formar uma coalizão disposta a avançar.
Do contrário, o que se pode esperar?
Se não houver acordo agora, o custo será alto. A cada ano de inação, mais de 12 milhões de toneladas de plástico vão parar nos oceanos, contaminando ecossistemas, alimentos e até nossos corpos. O risco é transformarmos um momento de esperança em uma oportunidade perdida, com impactos irreversíveis. Se o tratado não for adotado, esperamos que a maioria ambiciosa não recue, que os países dispostos avancem com um texto forte, mesmo fora do processo atual, levando-o à Assembleia Geral da ONU ou a uma conferência diplomática independente. O que não podemos aceitar é um tratado fraco, baseado apenas em medidas voluntárias, que repita os erros do passado. O mundo precisa — e quer — um tratado com força para mudar o sistema. E é para isso que estamos aqui.
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Duas perguntas para Michel Santos, gerente de Políticas Públicas do WWF-Brasil
Qual a perspectiva para essas discussões?
As expectativas são altas — e precisam ser. O mundo não pode mais adiar uma resposta robusta à crise da poluição plástica. O que está em jogo no INC-5.2 é mais do que um texto: é a credibilidade do sistema multilateral e a possibilidade real de proteger a saúde das pessoas, dos oceanos e da biodiversidade. A maioria dos países já expressou apoio a um tratado forte, com *regras globais obrigatórias* que regulem a produção, o design e o uso do plástico ao longo de todo o seu ciclo de vida. Empresas e a sociedade civil também estão engajadas. O que falta é transformar essa vontade política em decisão. É possível termos um tratado internacional até o fim de 2025, mas apenas se os países deixarem de lado a ilusão do consenso a qualquer custo e agirem com coragem para adotar um acordo ambicioso, mesmo que isso exija votar ou formar uma coalizão disposta a avançar.
Do contrário, o que se pode esperar?
Se não houver acordo agora, o custo será alto. A cada ano de inação, mais de 12 milhões de toneladas de plástico vão parar nos oceanos, contaminando ecossistemas, alimentos e até nossos corpos. O risco é transformarmos um momento de esperança em uma oportunidade perdida, com impactos irreversíveis. Se o tratado não for adotado, esperamos que a maioria ambiciosa não recue, que os países dispostos avancem com um texto forte, mesmo fora do processo atual, levando-o à Assembleia Geral da ONU ou a uma conferência diplomática independente. O que não podemos aceitar é um tratado fraco, baseado apenas em medidas voluntárias, que repita os erros do passado. O mundo precisa — e quer — um tratado com força para mudar o sistema. E é para isso que estamos aqui. (RG)
Brasil é exceção
Nos últimos meses várias reflexões ocorreram e nós temos também a possibilidade de ver ações sendo executadas, planejadas e tratadas. Então, entendo que se chegará um resultado final, ainda que não seja o ideal. É importante que se trate e estabeleça o processo de implementação dele, de ratificação e construção de instrumentos. Aí, talvez, seja possível apaziguar algumas das arestas. A expectativa é que o processo seja concluído, considerando as ambições trazidas, inicialmente, em relação a se ter um instrumento que efetivamente racionalize o uso do plástico na sociedade. É fundamental que se fortaleça o entendimento da responsabilidade estendida do produtor e isso deve formar toda a cadeia de valor numa discussão estruturada, sistêmica e integrada para se reverter este cenário que a gente vê hoje de poluição ambiental por plásticos incluindo o ambiente marinho. O Brasil vem dialogando com esse movimento desde a sua origem e tem como uma proposta de decreto a Estratégia Nacional Oceano Sem Plástico, que foi construída com base numa série de diálogos com diferentes atores da sociedade, internalizando princípios que já vêm sendo trabalhados no âmbito do Tratado Internacional. Mas o Brasil é uma exceção, e vem sendo um grande protagonista nessa temática. Então, minha expectativa é que esse processo se consolide como um tratado ambicioso.
Alexander Turra, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN) e professor da Universidade de São Paulo (USP)